sexta-feira, 11 de outubro de 2013

DIA 22

Faltam 6 dias. Nos olhamos por alguns segundos, até que ele teve a primeira reação.
- Preciso falar com ela, velho. – Disse ele já entrando no quarto. Eu estava sem reação nenhuma. Não sabia o que falar, para onde olhar, o que fazer. Permaneci imóvel, em pé ao lado da porta, com a mão ainda sob a maçaneta, querendo empurrá-la de volta para a tranca e imaginar que nunca tinha havia tirado de lá.
            No desespero, procurei Clarice. Ela continuava sentada na cama, com os olhinhos arregalados. Sua expressão deixava bem claro que ela já esperava que isso acontecesse e, mesmo assim, não foi capaz de ficar menos surpresa. Ao encontrar meu olhar com o dela, aconteceu o que eu mais temia. O brilho que havia se instalado nos olhos de Clarice denunciavam, mais que isso: gritavam, que ela queria ter essa conversa. Fiz um gesto com a cabeça concedendo que ficassem a sós, puxei a porta levemente e enfim voltei a maçaneta para a tranca.
            Era ali o fim de tudo. Ou o começo de uma nova etapa. Mas para mim, o fim voltava a ser o caminho mais certo. Aquela situação havia reimplantado nas minhas entranhas a descrença, o negativismo e a infelicidade. Ouvi novamente o choro desesperado peculiar de Clarice, acompanhado de alguns sons esporádicos que sugeriam que ela esmurrava o peito do ex-namorado. Eles discutiam. Ele gritava e ela chorava. Algum tempo depois tudo ficou em silêncio, tive medo. Decidi sair dali, virei as costas e fui para a recepção do hotel.
            Lá fiquei olhando para a TV, sem prestar atenção em nada. Minha cabeça girava a mil, me deu uma vontade louca de chorar, mas me contive. Algumas lágrimas teimaram em descer, mas antes que escorressem rosto à baixo, enxuguei-as. Segurei o resto e fingi que prestava atenção no programa ridículo da TV. Passaram 15, 20, 30 minutos. Decidi sair. Fui andar em volta do hotel, ou em qualquer outro lugar que fosse.
            Não sei por quanto tempo andei e nem onde eu estava. Parei porque senti minhas panturrilhas formigando, o que me fez pensar que já teria andando bastante. Estava perto de uma praça, como na primeira noite que tivemos juntos. Sentei em algum banco, fiquei olhando para umas crianças que brincavam no parque. Uma delas caiu do balanço e, ao levantar, chorou descontroladamente. Senti uma inveja enorme, era tudo o que eu queria fazer.  Alguns minutos sentados ali e decidir procurar o caminho de volta. Me coloquei no sentido contrário que eu vinha, e com algumas informações pedidas, cheguei ao hotel. Por alguns instantes pensei que Clarice podia estar na recepção, aflita ou até ansiosa pela minha volta. Não, ela não estava lá.
            Fui adentrando o corredor, as palpitações do meu coração eram descontroladas e juro que se alguém se colocasse atento, poderia ouvir o barulho das batidas ecoarem pelo cômodo. Girei a maçaneta e me coloquei dentro do quarto. Não interessa se ele ainda estaria lá, se eles estivem juntos, se estivem juntos nus na cama. Eu estava pagando o quarto, eu ficaria ali.
            Quando entrei, Clarice veio ao meu encontro, parecendo inquieta da mesma maneira que estava antes de tudo acontecer.
- Era ele no telefone hoje de manhã, não era? – perguntei com um certo tom de rancor na voz.
- Uhum – respondeu ela.
- Você falou onde a gente tava? Lógico que falou, né? Como ele descobriria?
- Mas é que...
- Nada – gritei – Não é nada.
- Me escuta, precis....
- Não, não precisamos. Eu sei muito bem o que acontece agora, e quero me poupar dessa palhaçada toda. Tô vazando. – Gritei mais uma vez, de uma maneira que nem eu mesmo sabia que poderia gritar. Eu estava tomado de raiva, possesso. Nada naquele momento me faria racionar em alguma coisa sequer. Fui até minha mochila, que ela tinha arrumado pela manhã, peguei-a e joguei no ombro direito. Fui até o banheiro, recolhi minhas coisas e ela veio atrás de mim.
- Não faz assim, cara. Vamos conversar! Não dá pra fazer isso depois de tudo que a gente viveu aqu....
- Não dá mesmo, ué, Não dá. Mas quem fez, foi você.
- Mas você nem me escutou ainda, espera!
- E precisa? Precisa? Mesmo? Olha para você e veja se precisa. – Continuei andando. De saída do quarto, peguei minha carteira, joguei algumas notas na cama.
- A diária vale até amanhã. Quando você sair, acerta lá. – E fui me retirando. Ela avançou em mim, puxando meu braço, me olhando com lágrimas nos olhos.
- Cara, me solta. Chega, deu pra mim. Só quero voltar e esquecer isso, tô indo. – Ela se jogou na frente da porta e colocou forçou as mãos contra o meu peito. Empurrei-a de lado, abri a porta:

- Nem pensa em vir atrás de mim, não quero passar vergonha na rua. Tchau – Bati a porta e deixei ela lá dentro. Na recepção avisei a moça que Clarice ficaria até amanhã e faria o pagamento. Quando saí do hotel dei uma última olhada para trás, ela estava na recepção, sentada no sofá, chorando. Voltei meus olhos para frente, chamei um táxi na porta, e fui para a rodoviária.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

DIA 21

Faltam 7 dias.  Era nossa penúltima noite no hotel, e isso me trazia uma certa apreensão, uma incerteza. Como seria tudo depois da viagem? Será que continuaríamos juntos? Eu nem sabia onde ela morava, só sabia que era na mesma cidade. O encanto ainda pairava sobre tudo ao nosso redor, porém, um horizonte cinzento e incerto começava a apontar na paisagem.
Decidi não conversar com ela sobre isso durante nossas últimas horas da viagem. Não sabia o que aconteceria, então era melhor não arriscar e pôr tudo a perder. Mas, cedo ou tarde, essa conversa teria que acontecer, planejei para que fosse no ônibus, durante o trajeto que nos levaria de volta ao nosso mundo real. Perdido nesses pensamentos eu vi o sol nascer, se espremendo no feixe que se formou entre as cortinas mal fechadas e tomando o quarto. A luz alaranjada banhou nossa cama e acordou Clarice, que dormia ao meu lado. Ela abriu os olhos lentamente, esfregou-os e voltou-se para mim. Deu um sorriso que me fez esquecer tudo que pensava até ali. Beijei-a.
- Bom dia, lindo! Já tava acordado? Quê que aconteceu? Sempre acordo primeiro que você – Perguntou ela.
- Ué, não sei. Acordei sozinho. Estranho mesmo.  
- Hum...faz muito tempo?
- Não, nada. Uns 10 minutos só – menti.
- Ah. Então aproveita que você está invertendo os papéis e busca o café hoje então, enquanto eu tomo banho. Pode ser?
- Ué, claro! Deixa eu me vestir então – Disse sorrindo enquanto tirava meu braço que estava embaixo dela.
Me levantei, fui até as mochilas, que por sinal nunca tinham sido arrumadas desde que chegamos, peguei alguma coisa e fui para a sala do café. Cheguei lá e peguei o que ela gostava: Suco de uva, pão com requeijão e um pedaço de bolo de cenoura. Tentei organizar tudo dentro da bandeja para facilitar a minha viagem até o quarto, mas minha falta de destreza era tamanha que por várias vezes quase derrubei todo nosso café da manhã.
Quando cheguei no quarto, Clarice estava no telefone. Percebi uma certa inquietação na maneira de falar dela, um estranho nervosismo.
- Vou desligar, depois a gente se fala. Tá tudo bem. Tchau – desligou correndo.
- Quem era? Você ficou nervosa.
- Ah, minha mãe me enchendo porque eu já deveria ter voltado e ainda tô aqui. Mas não esquenta não que já tá tudo certo. Já expliquei.
- Ah, ok. – Achei estranho. Ela nunca tinha mencionado a mãe ou ninguém da família, isso me fez pensar que para eles, o fato dela estar viajando não importava tanto assim. Esse tempo todo não a vi recebendo nenhuma ligação, mas concordei que já era hora.
Comemos o que eu tinha levado, e ela fez questão de ressaltar que havia lembrado tudo que ela gostava. Ganhei um monte de beijinhos por causa disso. Ela estava pronta para sair, então fui para o banho, já que hoje, especialmente, tínhamos invertido os papéis. Ela ficou no quarto, começando a organizar o emaranhado de roupas sujas e limpas que havia se formado no canto do quarto.
Estava lavando o cabelo, quando escutei a porta se abrir. Ela invadiu o boxe, entrou debaixo d`água de roupa e tudo e começou a me beijar. Abracei-a pela cintura, e meu corpo terminou de molhá-la, ela passava as mãos pelo meu cabelo, como se quisesse ajudar a enxaguá-lo. Comecei a tirar sua roupa, que estava bem mais pesada que o normal, por conta da água, até que ficamos, nós dois, nus. Nos amamos no chuveiro e terminamos na cama.
Decidimos então ficar no hotel aquela tarde. Era a última antes de embarcarmos de volta e, por isso, queríamos mais tempo para nos curtir. O clima estava quente, bem praiano, mas ligamos o ar condicionado, deixamos a temperatura mais baixa, e ficamos debaixo dos lençóis. Fazendo nada. Conversando, trocando carícias. Entre uma saída para almoçar, intervalos para ir ao banheiro, pegar o controle remoto da tv ou alguma comida, ficamos ali o dia todo.
Já no fim da tarde o interfone do quarto tocou. Atendi, era a recepcionista do hotel dizendo que tinha alguém que queria nos ver. Fiquei assustado. Quem me procuraria tão longe, se nem em casa me procuravam? Pedi para ela liberar a entrada e contei para Clarice. Vi seus olhos se arregalarem como se vissem um fantasma. Ela empalideceu e ficou muda. Poucos segundos depois a campainha do quarto tocou. Clarice me secou, ainda estática, até que eu chegasse na porta. Abri. Dei de cara com o cara que tinha abraçado Clarice na rodoviária.