Faltam 6 dias. Nos olhamos por alguns
segundos, até que ele teve a primeira reação.
- Preciso falar com ela, velho. – Disse ele já entrando no
quarto. Eu estava sem reação nenhuma. Não sabia o que falar, para onde olhar, o
que fazer. Permaneci imóvel, em pé ao lado da porta, com a mão ainda sob a
maçaneta, querendo empurrá-la de volta para a tranca e imaginar que nunca tinha
havia tirado de lá.
No
desespero, procurei Clarice. Ela continuava sentada na cama, com os olhinhos
arregalados. Sua expressão deixava bem claro que ela já esperava que isso
acontecesse e, mesmo assim, não foi capaz de ficar menos surpresa. Ao encontrar
meu olhar com o dela, aconteceu o que eu mais temia. O brilho que havia se
instalado nos olhos de Clarice denunciavam, mais que isso: gritavam, que ela
queria ter essa conversa. Fiz um gesto com a cabeça concedendo que ficassem a
sós, puxei a porta levemente e enfim voltei a maçaneta para a tranca.
Era ali o
fim de tudo. Ou o começo de uma nova etapa. Mas para mim, o fim voltava a ser o
caminho mais certo. Aquela situação havia reimplantado nas minhas entranhas a
descrença, o negativismo e a infelicidade. Ouvi novamente o choro desesperado peculiar
de Clarice, acompanhado de alguns sons esporádicos que sugeriam que ela
esmurrava o peito do ex-namorado. Eles discutiam. Ele gritava e ela chorava.
Algum tempo depois tudo ficou em silêncio, tive medo. Decidi sair dali, virei
as costas e fui para a recepção do hotel.
Lá fiquei
olhando para a TV, sem prestar atenção em nada. Minha cabeça girava a mil, me
deu uma vontade louca de chorar, mas me contive. Algumas lágrimas teimaram em
descer, mas antes que escorressem rosto à baixo, enxuguei-as. Segurei o resto e
fingi que prestava atenção no programa ridículo da TV. Passaram 15, 20, 30
minutos. Decidi sair. Fui andar em volta do hotel, ou em qualquer outro lugar
que fosse.
Não sei por
quanto tempo andei e nem onde eu estava. Parei porque senti minhas panturrilhas
formigando, o que me fez pensar que já teria andando bastante. Estava perto de
uma praça, como na primeira noite que tivemos juntos. Sentei em algum banco,
fiquei olhando para umas crianças que brincavam no parque. Uma delas caiu do
balanço e, ao levantar, chorou descontroladamente. Senti uma inveja enorme, era
tudo o que eu queria fazer. Alguns
minutos sentados ali e decidir procurar o caminho de volta. Me coloquei no
sentido contrário que eu vinha, e com algumas informações pedidas, cheguei ao
hotel. Por alguns instantes pensei que Clarice podia estar na recepção, aflita
ou até ansiosa pela minha volta. Não, ela não estava lá.
Fui
adentrando o corredor, as palpitações do meu coração eram descontroladas e juro
que se alguém se colocasse atento, poderia ouvir o barulho das batidas ecoarem
pelo cômodo. Girei a maçaneta e me coloquei dentro do quarto. Não interessa se
ele ainda estaria lá, se eles estivem juntos, se estivem juntos nus na cama. Eu
estava pagando o quarto, eu ficaria ali.
Quando
entrei, Clarice veio ao meu encontro, parecendo inquieta da mesma maneira que
estava antes de tudo acontecer.
- Era ele no telefone hoje de manhã, não era? – perguntei com
um certo tom de rancor na voz.
- Uhum – respondeu ela.
- Você falou onde a gente tava? Lógico que falou, né? Como ele
descobriria?
- Mas é que...
- Nada – gritei – Não é nada.
- Me escuta, precis....
- Não, não precisamos. Eu sei muito bem o que acontece agora,
e quero me poupar dessa palhaçada toda. Tô vazando. – Gritei mais uma vez, de
uma maneira que nem eu mesmo sabia que poderia gritar. Eu estava tomado de
raiva, possesso. Nada naquele momento me faria racionar em alguma coisa sequer.
Fui até minha mochila, que ela tinha arrumado pela manhã, peguei-a e joguei no
ombro direito. Fui até o banheiro, recolhi minhas coisas e ela veio atrás de
mim.
- Não faz assim, cara. Vamos conversar! Não dá pra fazer isso
depois de tudo que a gente viveu aqu....
- Não dá mesmo, ué, Não dá. Mas quem fez, foi você.
- Mas você nem me escutou ainda, espera!
- E precisa? Precisa? Mesmo? Olha para você e veja se
precisa. – Continuei andando. De saída do quarto, peguei minha carteira, joguei
algumas notas na cama.
- A diária vale até amanhã. Quando você sair, acerta lá. – E fui
me retirando. Ela avançou em mim, puxando meu braço, me olhando com lágrimas
nos olhos.
- Cara, me solta. Chega, deu pra mim. Só quero voltar e
esquecer isso, tô indo. – Ela se jogou na frente da porta e colocou forçou as mãos
contra o meu peito. Empurrei-a de lado, abri a porta:
- Nem pensa em vir atrás de mim, não quero passar vergonha na
rua. Tchau – Bati a porta e deixei ela lá dentro. Na recepção avisei a moça que
Clarice ficaria até amanhã e faria o pagamento. Quando saí do hotel dei uma
última olhada para trás, ela estava na recepção, sentada no sofá, chorando.
Voltei meus olhos para frente, chamei um táxi na porta, e fui para a
rodoviária.